terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Casa Edison: A primeira década, os primeiros registros



<< Mário Pinheiro (foto)
A gravação do lundu Isto é Bom pelo cantor Baiano para a Casa Edison em 1902 foi o pontapé inicial para as gravações dos incontáveis próximos discos que a gravadora viria a fazer desde então. Nesta postagem vamos falar um pouco do que foi registrado na primeira década das gravações fonográficas no Brasil (1902-1909). Como todo o início, nessa década a gravação era uma ferramenta muito inovadora para a época e despertava a curiosidade de todos que ouviam falar sobre ela. Só que como o gramofone (equipamento mecânico para reproduzir som) era importado e muito caro, a aquisição e a popularidade durante este período prosseguiu de forma muito lenta pela 
 população. O gramofone viria a se popularizar somente na segunda metade da próxima década, e mesmo assim não era uma popularização em grande escala. Numa época em que tudo era mais difícil e não havia tecnologia, existiam os seresteiros desde o século passado, que ao som do violão entoavam famosas modinhas pelas ruas desertas à luz do luar e/ou abaixo das janelas das suas amadas, através de lindas e melodiosas serenatas. Sim, essa era a época em que o famoso amor platônico parecia existir. Época das moças de família, das donzelas, dos coronéis, dos cavalheiros, do respeito mútuo ao próximo, muitas vezes de forma até exagerada. Eram outros tempos...Tempos de uma sociedade extremamente conservadora e de princípios, quando se jurava o amor eterno e se constitua a família tradicional, onde a mulher casava virgem, envelhecia e morria ao lado de um homem somente.
Voltando às obras, podemos dizer que muitas das modinha cantadas e gravadas dessa época, foram regravadas posteriormente por cantores das gerações seguintes, e na maioria das vezes com êxito. Muitas são de domínio público e fazem parte da história e do folclore brasileiro, sendo extremamente conhecidas e cantadas até hoje pelos boêmios.
<< Eduardo das Neves (foto)
Vale ressaltar que as gravações realizadas neste período pela Casa Edison possuem mais um valor histórico do que qualquer outra coisa, pois o sucesso era uma palavra que ainda nem tinha significado na música. Não existiam paradas, nem ídolos. Porém, em termos históricos e de relevância, pela significativa qualidade e quantidade dos materiais, podemos citar pelo menos quatro artistas nacionais que se destacaram em suas gravações neste período. São eles: Bahiano, Mário Pinheiro, Eduardo das Neves e Patápio Silva, e dentre os compositores, Chiquinha Gonzaga (Ó Abre Alas), Ernesto Nazareth (Escovado), Catulo da Paixão Cearense (Luar do Sertão), entre outros. A Banda da Casa Edison também gravou inúmeros registros de diversos ritmos, a também banda do Corpo de Bombeiros, dentre outras. Internacionalmente, entre os nomes em evidência dessa época, podemos citar principalmente o famoso tenor italiano Enrico Caruso (O Sole Mio) e o barítono americano Emilio de Gogorza (La Paloma).
Dentre as lendárias modinhas e outras canções que eram muito populares e cantadas nessa primeira década, podemos citar: Casinha Pequenina, gravada em 1906 por Mário Pinheiro, Perdão, Emília, gravada primeiramente em 1903 pelo Bahiano e nos anos seguintes por Mário Pinheiro e Eduardo das Neves, O Talento e a Formosura, A Casa Branca da Serra, Por um Beijo, Primeiro Amor, A Pequenina Cruz do Teu Rosário, Quem Sabe? (Carlos Gomes), Se Soubesses, O Gondoleiro do Amor (Castro Alves), Pálida Madona, Stella, Rasga o Coração, O Sertanejo Enamorado, Corta-Jaca, Bolim Bolacho, entre outras que atravessam gerações.
Sobre o cantor Bahiano já falamos na postagem anterior. Já o cantor e violinista Mário Pinheiro, nasceu em 1880 e faleceu ainda jovem, aos 43 anos, em 1923, muito doente e na pobreza. Sua contribuição foi muito importante na música brasileira, deixando um grande legado, assim como Eduardo das Neves, nascido em 1874 e falecido em 1919. Das Neves foi palhaço, poeta, cantor, compositor e violinista. Além disso, é pai do respeitado músico Cândido das Neves, dono de belíssimas e conhecidas composições eternizadas nas décadas de 20 e 30 por Vicente Celestino e Orlando Silva. 
<< Patápio Silva (foto)
O músico, compositor e flautista de choro e erudito, Patápio Silva, nascido em 1880 e falecido em 1907, com apenas 26 anos, foi considerado um dos maiores flautistas da história e serve de referência até os dias atuais, através de suas inesquecíveis obras.
Obs: A famosa Saudades do Matão (Francana) foi composta neste período. 


Acesse abaixo alguns desses registros históricos citados nesta postagem:
Primeiro Amor, Patápio Silva, 1904.

Casinha Pequenina, Mário Pinheiro, 1905.

Bolim Bolacho, Eduardo das Neves, 1908.

Escovado, Ernesto Nazareth, 1905.

A Casa Branca da Serra, Mário Pinheiro, 1904.

A Conquista do Ar, Banda da Casa Edison, 1904.

Perdão Emília, Bahiano, 1903. (Abaixo regravação de Francisco Petrônio e Dilermando Reis)




domingo, 14 de janeiro de 2018

Indústria Fonográfica: Os primeiros passos no Brasil



Todo mundo sabe que textos em internet não devem ser extensos, mas sim breves e objetivos. Ao contrário, o negócio fica cansativo. Só que quando se fala em música, suas curiosidades, informações técnicas de materiais/gravações e biografias dos artistas, o assunto se torna imenso, pois há muita coisa a ser contada. Se eu fosse falar de tudo que sei, precisaria de muitos livros. Então, para facilitar e resumir o máximo que posso, vou abordar primeiro a música brasileira dividindo cada postagem por décadas e a partir de 1928, por ano, pois é quando a gravação elétrica começa no Brasil, como também a difusão do rádio, que até então nem se falava.

Vamos começar pelo começo, certo?
A história da música comercial do Brasil começou através da Casa Edison, que foi a primeira casa gravadora do Brasil e da América do Sul, fundada em 1900 pelo emigrante tcheco de origem judaica, Fred Figner, no Rio de Janeiro. Até 1902 apenas importava e revendia cilindros fonográficos, utilizados nos fonógrafos, que foi um aparelho inventado em 1877 por Thomas Edison, para a gravação e reprodução de sons através de um cilindro, sendo o primeiro equipamento capaz de gravar e reproduzir sons, e também discos, utilizados nos gramofones, invenção do alemão Emil Berliner, de 1888. O aparelho servia para reproduzir som gravado utilizando um disco plano, que se tornou mais aceitável que o cilindro fonográfico, tornando-se o meio de armazenamento de áudio padrão utilizado durante décadas desde então. 

Em 1902, começaram as gravações musicais no Brasil. A primeira música brasileira gravada no país foi o lundu Isto é Bom (Xisto Bahia), interpretado pelo cantor Baiano, o pioneiro e um dos principais cantores das primeiras gravações no Brasil, ao lado de Eduardo das Neves e Mário Pinheiro. Baiano, que antes da reforma ortográfica de 1943, se denominava Bahiano, gravou muitos discos até a década de 20, imortalizando várias modinhas, lundus e também o primeiro samba gravado no país, Pelo Telefone (Donga e Mauro de Almeida), gravado por ele em 1917. Em 1927, a gravadora Casa Edison passou a gravar pelo selo Parlophone, até que em 1932, saiu da indústria fonográfica, passando a operar em outros fins. 
 
BAIANO
Baiano era o nome artístico de Manuel Pedro dos Santos. Ele nasceu em 1870 e faleceu em 1944. Cantor brasileiro reconhecido pelo seu pioneirismo nas gravações fonográficas, na sua época ainda mecânicas, sendo o escolhido a gravar o primeiro disco para gramofone no Brasil. Ainda em 1902, gravaram Banda da Casa Edison, Os Geraldos e Senhorita Odette.
Ouça abaixo, Isto é Bom, o primeiro passo, o primeiro registro para o que com o tempo só cresceu: a indústria fonográfica. Vale a pena saber que no início de toda gravação no fonógrafo era anunciado o nome da música, o cantor e a gravadora.
Obs: Deve-se levar em conta as limitações da época, que em nada se compara com a tecnologia atual. Na época não havia nem energia elétrica, muito menos os incontáveis recursos existentes hoje em dia. Além disso, os cantores tinham que cantar vários tons acima para que a gravação ficasse mais perfeita possível. São curiosidades que encantam, afinal, tudo tem um começo e feliz de quem enxerga beleza nas coisas simples.
Pelo Telefone foi regravada por vários artistas e é lembrada até hoje, assim como Luar de Paquetá, que é minha favorita do repertório do Baiano.

Ouça:
Isto é Bom – Lundu, 1902, Bahiano.

Pelo Telephone – Samba, 1917, Bahiano

Luar de Paquetá – Fado-tango, 1922, Bahiano

sábado, 13 de janeiro de 2018

Brasil, uma verdadeira miscelânea musical



A música brasileira comercial sofreu diversas alterações com o passar dos anos. No início da era fonográfica, quando as gravações ainda eram mecânicas (1902-1927), as modinhas, os lundus e os maxixes foram os primeiros gêneros gravados e que caíram no gosto popular. Foi também nesta época que nasceu o samba, com a gravação de Pelo Telefone, pelo cantor Baiano, em 1917. Diversos sucessos conhecidos e cantados até hoje surgiram nesta época tão distante. Junto com a chegada da gravação elétrica, a marchinha tornou-se uma febre no Brasil inteiro e até no exterior, principalmente graças à Carmem Miranda. Entre as décadas de 30 e 50 foram imortalizadas milhares delas, que são cantadas até hoje. O samba também sempre teve o seu lugar garantido no sucesso desde então. Por outro lado, o romantismo era constante, com as belas e melodiosas serestas e valsas que faziam muito sucesso, onde através de seus versos geralmente eram retratadas histórias profundas de amor. Nessa época, o tango também estava no seu auge no mundo. Posteriormente, na década de 50, os boleros, as baladas, o baião e o recente samba-canção dominavam a preferência, até surgir a bossa nova no final da década de 50. A música sertaneja já tinha seus diversos ídolos, mas ainda havia um grande preconceito da grande massa, assim como os cantores populares, que nessa época começaram a ser chamados de bregas por cantarem o amor de uma forma melancólica e “exagerada”.
A JOVEM GUARDA
As paradas de sucesso estavam divididas. E ficou ainda mais, com o surgimento da jovem guarda, praticamente junto com o estouro da bossa nova. Ambas eram para públicos distintos. A força jovem começava a dominar o Brasil nos costumes e claro, na música. Diversos artistas e grupos de muito sucesso se lançaram e fizeram história. Cada período foi representado por gêneros diferentes. E graças à isso, hoje cada um se identifica com o período e estilo que mais lhe representa. Na época do golpe militar de 1964, a bossa nova já não era tão apreciada como antes. Enquanto isso, as paradas prosseguiam com as dores de cotovelos dos artistas populares brasileiros, as canções italianas, francesas e principalmente, a jovem guarda que estava no seu auge. No período da ditadura militar, surgiram as canções de protesto, que embora muitas vezes proibida pela censura, eram muito apreciadas, servindo como um grito de liberdade à quem era contra as ações do governo autoritário.
Nessa mesma época, surge mais um movimento, a tropicália, e com ela diversos artistas que são consagrados e respeitados até hoje. O rock que havia surgido na década de 50 com o Bill Halley, Elvis Presley, Little Richard, entre outros, continuava ganhando cada vez mais fãs. Muitos artistas e bandas continuavam surgindo, tanto internacionalmente como nacionalmente. O som psicodélico e o folk também tinham o seu espaço. Enfim, cada vez mais a miscelânea de gêneros tomavam conta das rádios AMs e dos toca-discos das famílias. Já havia muita coisa, que é incabível listar aqui. O pop e o rock americano fazia muito sucesso no Brasil e dividia as paradas com as canções nacionais. Grandes e importantes festivais foram promovidos nestas épocas. E teve duas coisas que não caíram com o passar dos anos: a preferência pela música popular, o carnaval e o samba, além, claro, do sertanejo, que aos poucos foi conquistando mais espaço e visibilidade.
OS BRASILEIROS AMERICANIZADOS
Na década de 70, junto com as calças boca de sino, as camisas volta ao mundo e os saltos plataforma, os brasileiros surgiram com mais uma moda (e que deu certo): a de cantar inglês!
Muitos artistas criaram um nome artístico americano e gravaram músicas que caíram no gosto popular e fizeram muito sucesso, inclusive no mundo, como é o caso do Morris Albert, com a canção Feelings, o grande chefão da turma brasileira americanizada dos anos 70. A canção teve dezenas de regravações no mundo todo e dominou as paradas inclusive nos EUA, o que até então não havia ocorrido com cantores brasileiros.
Roberto Carlos nessa época já era considerado o maior expoente da nossa música. E não é pra menos, pois no final de cada ano o cantor lançava um disco com canções de alta qualidade, tanto na melodia como na letra, e dali pelo menos metade do long play era sucesso garantido. Além disso, era muito reconhecido e respeitado por toda a América Latina, através das versões em espanhol dos seus sucessos. Já havia ganho o festival de San Remo na Itália, em 1968, gravado em várias línguas, enfim. E isso continuou. Hoje somam-se centenas de sucessos em diversas línguas, além de outras belas composições gravadas por outros artistas.
DISCO MUSIC
Na segunda metade da década de 70, a disco music invade as paradas e as pistas de dança do mundo, inclusive no Brasil. Como não poderia ser diferente, a mania foi abraçada pelos brasileiros, sendo lançados diversos artistas brasileiros nessa época cantando o gênero.
A década de 80 continuou sendo uma miscelânea total. A música sertaneja teve o seu auge e várias duplas de sucesso atingiram o estrelato, o rock nacional e internacional comandou as paradas, a música popular e romântica continuou sendo apreciada, as trilhas de novelas, principalmente internacionais, estavam entre as mais vendidas nas lojas de discos, o reggae, o pop, o ítalo-dance, o axé, o forró e o samba também tinham o seu público. Por fim, vem a década sertaneja e pagodeira, os anos 90. O pagode teve o seu auge e o sertanejo seguiu sendo muito apreciado pelos brasileiros, sem afetar o rock, o reggae, o pop e tantos outros gêneros já citados aqui que continuaram ganhando ouvintes de geração em geração.


Escute o clássico brasileiro, “Aquarela do Brasil”, gravada originalmente pelo Rei da Voz, Francisco Alves, em 1939.

https://www.youtube.com/watch?v=H-y8TS7jbpY